Vila Viçosa
Terra de reis e rainhas, príncipes e princesas, pintores e poetas, humanistas e cientistas, de gastronomia e maravilhas, de povo maravilhoso e tradição.
Vila Viçosa molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do guerreiro. Não é calipolense quem quer. Ser calipolense não é um dote, é um dom. Não se nasce calipolense, é se calipolense.
Portugal nasceu em Guimarães mas foi em Vila Viçosa que se fez homem. Desde os Lusitanos que em Vila Viçosa se travaram batalhas decisivas pela nacionalidade. Viriato e Sertório combateram em Vila Viçosa os Romanos. Assim como séculos mais tarde os calipolenses expulsaram valorosamente os Mouros e ainda, como na primeira crise dinástica portuguesa Vila Viçosa expulsou os espanhóis.
E quando Portugal restaurou a sua independência? Havia vários candidatos portugueses ao trono e quem foi o escolhido? D. João IV, um calipolense claro. É certo que Espanha contava com poderosos exércitos e armadas, mas os portugueses tinham a vantagem de contar com meia-dúzia de calipolenses. Não se estranha a resposta do Dr. João Pedro Mendonça aos seus companheiros de conjuntura quando o tentaram convencer a desistir da ideia da independência de Portugal com o argumento da desproporção numérica e dos poderosos exércitos espanhóis: «Eles são muitos e bons? O que é que isso interessa se os calipolenses estão do nosso lado?»
No meio das montanhas e das serras um homem tem as vistas curtas; só em Vila Viçosa, no coração do Alentejo, um homem consegue ver ao longe. D. Manuel queria fundar uma metrópole no Brasil de modo a demonstrar o domínio de Portugal no Mundo. Muitos tentaram sem sucesso. Foi então que D. Manuel percebeu que só o costado de um calipolense poderia suportar um projecto daquela envergadura. Aquilo que para o homem comum é impossível, para um calipolense faz-se nas calmas. Para um calipolense não há impossíveis, nem dificuldades porque só um calipolense percebe intuitivamente que na vida a única coisa impossível de se fazer é escapar à morte e que para se fazerem as coisas bem senão se fizerem hoje fazem-se “amanhem”.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia do projecto a Martim Afonso de Sousa. Mais de 4 anos no Brasil a combater os índios, os espanhóis e as espécies animais selvagens. Tudo para fundar não uma, mas duas colónias que hoje são as maiores e mais importantes cidades do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo. E no seu regresso quando D. Manuel perguntou a Martim Afonso de Sousa se tinha sido difícil ele disse “Tirando algumas tempestades pelo caminho foi fácil”. Afinal construir não uma mas duas metrópoles foi fácil.
É precisamente este o problema de Portugal. Demasiada gente desiste assim que começa a mais pequena tempestade, quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou seja, há muitos portugueses e poucos calipolenses.
Mas os calipolenses não servem só as grandes causas, nem servem só para as grandes guerras. Não há como um calipolense para desfrutar plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer os calipolenses para que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na mesa, um calipolense nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este, intrigado, lhe perguntou o que é que o calipolense tinha que ele não tinha: «Tem tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E muito menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os calipolenses, graças a Deus, não têm. Até porque os calipolenses e Vila Viçosa foram feitos ao sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou para descansar.
E como se tudo isto não bastasse Vila Viçosa ofertou generosamente alguns dos seus filhos à nação e à sua cultura como Florbela Espanca, a melhor poetisa portuguesa de sempre; Públia Hortênsia de Castro, a primeira licenciada portuguesa; D. Catarina de Bragança, rainha de Inglaterra, domesticou os ingleses com o chá das 5; Bento de Jesus Caraça, brilhante matemático e activista contra o regime de Salazar; Henrique Pousão, uns dos melhores pintores impressionistas da sua geração, entre muitos outros...
Além do mais, quem mais do que os calipolenses para festejar um novo ano em Setembro?!?! Enquanto que os demais esperam por Dezembro, o calipolense festeja o novo ano com as festas dos capuchos. Enquanto os outros festejam religiosamente em honra dos santos padroeiros da suas terras, os calipolenses que ofertaram a sua padroeira como padroeira e rainha de Portugal festejando a data em Dezembro, os calipolenses festejam religiosamente o orgulho de serem calipolenses, o convívio e a fraternidade de terem nascido em Vila Viçosa, desafiando assim o organismo, a lógica, o sono e os toiros durante 4 dias em que não se dorme, muito se come e bebe e se desafiam diariamente numa demonstração de bravura, resistência e de elegância touros bravos que animam o povo calipolense. Querem melhor motivo para se renderem ao calendário capuchal e deixar o calendário gregoriano de parte?
Como bom calipolense que me prezo de ser, deixei o melhor para o fim. Vila Viçosa, como todos sabemos, é o único sítio do mundo onde não é castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que qualquer calipolense anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo, refeição e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de ser comido. É tão bom no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim da semana. Só quem come o pão alentejano está habilitado para entender o mistério da fé. Comê-lo faz-nos subir ao Céu!
É por tudo isto que, sempre que passeio pelo Terreiro do Paço de Vila Viçosa numa noite quente de verão ou quando sinto no rosto o frio cortante das manhãs de Inverno, dou graças a Deus por ser calipolense. Que maior bênção poderia um homem almejar?